quarta-feira, 19 de agosto de 2015

descobrir
é
inventar

quinta-feira, 7 de maio de 2015

todos morrem um dia.
o que é então este corpo?
o que são então esses braços,
essas mãos avermelhadas?
perenes no mundo dos objetos.
plásticos duram mais
roupas duram mais
músicas gravadas em Long plays
mp3
duram mais
pedaços de papel
pequenas poeiras
fios de cabelo
guardados dentro do livro
comprado no sebo.
mensagens, estudos
escritos
por uma caneta que vai durar mais
do que a mão que escreveu

ontem morreu uma moça
que eu conhecia
achei que a tinha visto na rua
tem nem uma semana.
todos morrem um dia
mais dia
menos dia

alguns acham normal morrer

eu me angustio
não tenho medo de dizer

nasci presa à essse chão
morrer é soltar-se
é desfazer-se
é não sentir-se nada.

minha cabeça tão tagarela
um dia, cala.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

pensar em morte
falar na vida

no contratempo
eu penso ouvindo

o sopro
a brasa quente
o pleonasmo
o mundo nasceu sozinho

é um neném
é um adulto

é o vento
é o toque do tambor
não! é um violão!
é um passo

apenas um passo.
mais outro.

janelas são molduras
camas são molduras
o olho é.

os ouvidos são molduras
as vozes são pinturas.

vertov e indústria cultural do mundo capitalista
vulgo: planeta terra
vejo o mundo em clipe
desde 1929

me faz pensar
essa voz que passeia dentro
é minha?

esse olho
o que não vê?

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

a q u i

aqui,
o sol é uma bola de fogo, que escorrega por detrás das montanhas
o dedo aponta para cima,
as crianças gritam por hábito
o terreiro me faz sentir segura
eu gosto do som do atabaque.

as músicas
que eu não gosto
não me incomodam tanto
quando estou deitada em minha rede

as árvores
me acolhem
e o zunido da cidade
vira parte do meu ouvido.

de dia, parece que estou na floresta
mas quando olho na janela
parece que estou na favela.
e isso não é ruim não.

o funk, o brega, o movimento
constroem altar para o brilho dos canutilhos
não é canutilho, não, moça:
é um monumento.

é um baú do tesouro,
é um pisca-pisca contente...

o sinteco ainda estala
apenas uma mariposa até agora entrou aqui
mas os grilos, esses não deixam o silêncio falar...
os passarinhos cantam até quando é noite.
as crianças gritam até quando é noite.
os cachorros latem até quando é noite.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

só consigo escrever angustiada?

tiro ao alvo.
ouço o disparo
e ao mesmo tempo a placa pendulando raivosa.
como um operário que bate o chão com a marreta
metal-concreto
som seco

o tiro é tão rápido,
que o som do encontro entre ar e projétil
dança com o ressoar do encontro com o alvo

nunca soube de qual lado vem o tiro
a memória da infância deixou montado
o cenário do fuzilamento

por dez anos
esquece-se que o tiro
é tiro.

e passa-se a ouvir obra
do operário
batendo o chão com a marreta.

-\-

me vejo no treinamento
não mais localizado à esquerda do meu pensamento,
pois me lembrei do eco
e de que nem tudo vem
de onde parece vir.

me vejo no treinamento,
me lembro do agronegócio, mas, por acaso.
(a angústia
o apego
a vontade de ir embora
me fazem prestar a atenção
em todos os sons
comuns
que em breve não serão mais ouvidos;
em todos os livros não lidos;
em todos os conflitos da prática urbana dos edifícios [vizinhos];
o aproveitar cada momento
mas lembrar do tédio
da improdutividade
parece um tiro ao alvo)

a exploração aqui
vem de quem dá os golpes de bodão
em si mesma.

estou no treinamento
e atiro
como o operário
num ritmo equilibrado
mas não sei se posso
pois o peso da marreta
puxa o ritmo do operário
e o empurrão da arma disparada
reflete no meu corpo para trás.

atiro pensando na vida da bezerra
e quando me dou conta,
resolvi procrastinar
a busca pela felicidade.

a preguiça
me pôs no alvo
e pegou a arma

não atirou.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

mas aqui a Lua ainda e também brilha forte desde que o céu está claro,
os passarinhos, embora em menos quantidade e variedade, cantam e brincam, namoram e voam,
as crianças continuam fazendo bagunça
eu ainda tenho uma linda vista, cujo amarelado azedo se transforma em um laranja urbano, mas também bonito como têm de ser todos os movimentos de ir e vir do Sol e da Lua, tudo isso apesar do barulho chato e ineditamente ensurdecedor dos aviões que vão e vêm do aeroporto sobre as águas de uma baía que não tem H.

eu ainda espero meu amor, como a única certeza enquanto coloco o ano em dia,
plantando forças para aprender a lutar mais pelo que eu mesma quero.
Tudo isso depois de matar algumas das saudades que conquistei ao estar no lugar de onde agora sinto falta.
Não tem jeito, é a saudade.

Eu ainda tenho esses amigos, os quais eu insisto em ter conquistado ainda pouco em relação ao quanto eles já me conquistaram,
eu ainda tenho essa mãe e esse pai, a outra mãe e os outros pais (do meu violeiro, cuja família também vai se tornando cada vez mais minha).

o cotidiano sempre me foi agradável,
mas um pouco de sonho bom me invadiu e eu não queria e talvez não queira esvaziá-lo de dentro do meu espaço que às vezes parece um pouco oco.

aos poucos vou me recordando de que o amanhecer também é ensolarado como a paz deste sonho, e que o mesmo Sol que me iluminou nas piscinas e correntezas que são o paraíso da rainha que mora e é o próprio mar, aparece para me acordar todas as manhãs. Não o mesmo cheiro da arruda forte que lá encontrei e já antes, mas principalmente agora carrego comigo em minha pele; mas sim, o mesmo Sol: não é que há muitas semelhanças dentro de cotidianos tão diferentes? no final das contas, eu ainda estou dentro do mesmo corpo.

não tem jeito, é saudade

não sabia que não era só eu que estava acostumada a olhar um horizonte infinito, eram também meus próprios olhos, era minha alma, era meu coração batendo onde há muito ar entre nós o céu. Hoje eu não reaprendi a olhar para onde meus pensamentos encontram limites 10 metros a frente, prédios, ruas, fios, janelas, elevadores, apartamentos. nem mesmo os poucos quilômetros que separam meus olhos da praia de Icaraí, em Niterói. O amarelado do céu parece querer me fazer sentir o azedo da saudade eu não estou aqui eu ainda estou na Bahia.